Page 176 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
P. 176
- É claro que não, pomba - ele falou, e arrancou com o carro como se fosse
o diabo fugindo da cruz. Era um dos sujeitos mais invocados que eu encontrei
até hoje na minha vida. Tudo que a gente dizia deixava ele furioso.
Embora já fosse um bocado tarde, o Ernie's estava entupido de gente. Na
maioria eram esses palhações das universidades. Em quase todas as drogas dos
colégios do mundo as férias de Natal começam antes do que nos colégios em que
eu estou. A gente quase não podia pendurar o sobretudo, de tão cheio. Mas era
um silêncio danado, porque o Ernie estava tocando. Parecia que era um troço
sagrado, no duro, a hora em que ele sentava para tocar. Ninguém pode ser tão
bom assim. Ao meu lado estavam três casais, esperando vagar mesa, e ficaram
todos na ponta dos pés, se empurrando, só para dar uma olhada no Ernie,
enquanto ele tocava. Tinha um baita espelho em frente do piano e um refletor
bem em cima do Ernie, para que todo mundo pudesse ver a cara dele enquanto
tocava. Não dava para ver os dedos, só a droga da cara do safado. Grande coisa.
Não sei direito o nome da música que ele estava tocando quando entrei, mas só
sei que ele estava esculhambando mesmo o troço pra valer. Dando uma porção
de floreios imbecis nos agudos e outras palhaçadas que me aporrinham pra
chuchu. Mas valia a pena ver os idiotas quando ele acabou. Era de vomitar.
Entraram em órbita, igualzinho aos imbecis que riem como umas hienas, no
cinema, das coisas sem graça. Juro por Deus que, se eu fosse um pianista, ou um
autor, ou coisa que o valha, e todos aqueles bobalhões me achassem fabuloso, ia
ter raiva de viver. Não ia querer nem que me aplaudissem. As pessoas sempre
batem palmas pelas coisas erradas. Se eu fosse pianista, ia tocar dentro de um
armário. Seja como for, na hora que ele acabou e todo mundo estava aplaudindo
como uns alucinados, o safado do Ernie deu uma volta no banquinho e fez uma
reverência fingida, bancando o humilde. Como se, além de ser um pianista bom
pra burro, fosse também um sujeito um bocado humilde. Era um troço cretino
pra diabo aquilo dele ser metido a besta e tudo. Mas, de um jeito meio