Page 184 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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valha. Apanhava as luvas, mostrava a ele e perguntava: "Quer dizer que essas

               luvas são tuas, não é?" Aí o filho da mãe provavelmente olharia para mim, com
               a maior cara de anjinho, e diria: "Nunca vi essas luvas em toda a minha vida. Se
               são  tuas,  pode  levar.  Não  quero  mesmo  essa  droga  pra  nada."  Aí  eu
               provavelmente teria ficado uns cinco minutos de pé, no mesmo lugar, com as
               luvas na mão e tudo. Ia me sentir na obrigação de dar um soco no queixo do
               sujeito, quebrar a cara dele. Só que não ia ter coragem de fazer nada. Ia só ficar

               ali, de pé, tentando fazer cara de mau. Talvez dissesse alguma coisa bem cortante
               e sarcástica, para aporrinhar o sujeito - em vez de lhe dar um soco no queixo.
               Seja  lá  como  for,  se  eu  dissesse  alguma  coisa  bem  cortante  e  sarcástica,  ele
               provavelmente  se  levantaria,  chegaria  perto  de  mim  e  perguntaria:  "Escuta,
               Caulfield. Você tá me chamando de ladrão?" Aí, em vez de dizer que era isso
               mesmo, que ele era um filho da mãe dum ladrão, eu provavelmente só teria dito:

               "Só sei é que a droga das minhas luvas estavam na droga das tuas galochas." A
               essa altura o sujeito já saberia com certeza que eu não ia mesmo dar um soco
               nele e diria: "Olha, vamos deixar esse negócio bem claro. Você tá me chamando
               de  ladrão?"  Eu  então  provavelmente  responderia:  "Ninguém  está  chamando
               ninguém  de  ladrão.  Só  sei  que  as  minhas  luvas  estavam  na  porcaria  das  tuas
               galochas." O negócio podia continuar assim durante horas. Finalmente eu iria
               embora sem ter dado nem um sopapo nele. Provavelmente ia para o banheiro,

               acendia um cigarro e ficava me olhando no espelho, fazendo cara de valente. De
               qualquer  maneira,  era  nisso  que  eu  estava  pensando  enquanto  voltava  para  o
               hotel. Não é nada engraçado ser covarde. Talvez eu não seja totalmente covarde.
               Sei lá. Acho que talvez eu seja apenas em parte covarde, e em parte o tipo do
               sujeito que está pouco ligando se perder as luvas. Um de meus problemas é que

               nunca me importo muito quando perco alguma coisa - quando eu era pequeno
               minha  mãe  ficava  danada  comigo  por  causa  disso.  Tem  gente  que  passa  dias
               procurando  alguma  coisa  que  perdeu.  Eu  acho  que  nunca  tive  nada  que  me
               importaria muito de perder. Talvez por isso eu seja em parte covarde. Mas isso
               não é desculpa. Sei que não é. O negócio é não ser nem um pouquinho covarde.
               Se é hora de dar um soco na cara de alguém, e dá vontade mesmo de fazer isso, a
               gente não devia nem conversar. Mas não consigo ser assim. Eu preferia empurrar

               um sujeito pela janela, ou cortar a cabeça dele com um machado, do que dar um
               soco no queixo dele.
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