Page 242 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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nada.










                      Aí a gente passava por um baita dum mostruário, todo de vidro. Lá dentro,
               uns índios esfregavam paus para fazer fogo e uma índia tecia um cobertor. A

               índia que tecia o cobertor estava meio curvada e dava para a gente ver os seios
               dela e tudo. Todos nós dávamos uma olhada caprichada, até mesmo as meninas,
               porque elas ainda eram crianças e tinham tanto seio quanto qualquer um de nós.
               Aí, quase na porta do auditório, passava-se por um esquimó. Ele estava sentado
               perto de um buraco, cortado na superfície gelada de um lago, e pescava dentro

               dele.  Bem  na  borda  do  buraco  havia  dois  peixes  que  ele  já  tinha  apanhado.
               Aquele museu estava cheio de mostruários de vidro. E tinha mais alguns lá em
               cima,  com  veados  lá  dentro  bebendo  água  nuns  laguinhos  pequenos,  e  os
               pássaros voando, para o sul no outono. Os pássaros que ficavam mais perto da
               gente  eram  empalhados  e  presos  por  arames,  e  os  outros,  mais  longe,  eram
               pintados na parede, mas todos davam mesmo a impressão de estar voando para o
               sul. E, se a gente se curvasse e olhasse bem de baixo para cima, parecia que eles

               estavam com mais pressa ainda de voar para o sul. Mas a melhor coisa do museu
               é que nada lá parecia mudar de posição. Ninguém se mexia. A gente podia ir lá
               cem  mil  vezes,  e  aquele  esquimó  ia  estar  sempre  acabando  de  pescar  os  dois
               peixes, os pássaros iam estar ainda a caminho do sul, os veados matando a sede
               no laguinho, com suas galhadas e suas pernas finas tão bonitinhas, e a índia de
               peito de fora ainda ia estar tecendo o mesmo cobertor. Ninguém seria diferente.

               A única coisa diferente seríamos nós. Não que a gente tivesse envelhecido nem
               nada. Não era bem isso. A gente estaria diferente, só isso. Podia estar metido
               num  sobretudo,  dessa  vez.  Ou  o  outro  garoto,  companheiro  de  fila  da  visita
               anterior,  não  tinha  vindo  porque  estava  com  caxumba  e  a  gente  teria  outro
               companheiro. Ou então a substituta de Miss Aigletinger é que estaria levando a
               turma. Ou então a gente tinha ouvido o pai e a mãe da gente terem a maior briga
               no banheiro. Ou então a gente tinha acabado de passar, na rua, por uma poça

               d'água  com  um  arco-íris  de  gasolina  dentro  dela.  Quer  dizer,  a  gente  estaria
               diferente, de um jeito qualquer - não sei explicar direito, mas o negócio é assim
               mesmo.  E,  mesmo  que  eu  soubesse,  acho  que  não  ia  ter  muita  vontade  de
               explicar.
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