Page 224 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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minhas malas de baixo da minha cama e pôs tudo de novo no porta-malas. E fez
isso - levei algum tempo para descobrir - porque queria dar a impressão a todo
mundo de que as minhas malas eram dele. Queria mesmo. Era um sujeito
gozado. Por exemplo, vivia falando sobre as minhas valises, que eram novas e
burguesas demais. Essa era a palavra predileta dele. Tudo meu era burguês pra
diabo. Até minha caneta-tinteiro era burguesa. Vivia pedindo a caneta
emprestada, mas nem por isso ela deixava de ser burguesa. Só moramos juntos
uns dois meses. Depois nós dois pedimos para mudar de quarto. O mais
engraçado é que, depois da mudança, eu senti falta dele, porque o safado tinha
um senso de humor infernal e, de vez em quando, nós nos divertíamos à bessa.
Não me admiraria se ele também sentisse saudade de mim. No começo, ele
chamava minhas coisas de burguesas só de brincadeira, e eu não dava bola.
Achava até meio engraçado. Depois de algum tempo, ficou evidente que ele não
estava mais brincando. O negócio é que é um bocado duro ser companheiro de
quarto de um sujeito se as malas da gente são muito melhores que as dele - se as
da gente são boas mesmo e as dele não. A gente ainda pensa que, se o outro é
inteligente e tudo mais, e se tem senso de humor, não vai dar pelota para esse
negócio das malas. Mas o fato é que dá. Dá mesmo. É por isso que fui morar
com um filho da mãe imbecil feito o Stradlater. Pelo menos as malas dele eram
tão boas quanto as minhas.
Afinal as duas freiras se sentaram ao meu lado e nós acabamos
conversando. A que estava junto de mim carregava uma daquelas cestinhas em
que as freiras e as donas do Exército da Salvação coletam dinheiro na época do
Natal. Essas que a gente encontra pelas esquinas, principalmente na Quinta
Avenida, em frente das grandes lojas e tudo. A cestinha da que estava ao meu
lado caiu no chão e me abaixei para apanhar. Perguntei se ela estava recolhendo
dinheiro para as obras de caridade e tal. Ela disse que não. Disse que a cesta
tinha sobrado na hora de arrumar as malas e, por isso, a havia trazido na mão.
Ela tinha um sorriso simpático quando olhava para a gente. Tinha um nariz
grande e usava óculos, daqueles com uma espécie de aro de ferro, que não são lá
muito elegantes, mas tinha uma cara bondosa pra chuchu.