Page 233 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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Comecei a andar na direção da Broadway, só de farra, porque fazia mais de
               um ano que eu não ia lá. Além disso, queria achar uma loja de discos aberta.
               Queria comprar para a Phoebe um disco chamado "Little Shirley Beans". Era um
               disco difícil de encontrar. Era a estória de uma menininha que não queria sair de
               casa  porque  dois  dentes  da  frente  tinham  caído  e  ela  tinha  vergonha  de  sair
               assim.  Foi  no  Pencey  que  eu  ouvi esse disco.  Quem tinha  era um garoto que

               morava em outro andar. Fiz tudo para comprar dele, porque sabia que a Phoebe
               ia vibrar com o troço, mas o garoto não quis vender. O disco tinha sido gravado
               há uns vinte anos por uma cantora negra, a Estella Fletcher. Ela canta com muita
               bossa  e  num  estilo  de  cabaré,  sem  nenhum  sentimentalismo  barato.  Se  fosse
               cantado por uma branca ia sair água com açúcar, mas a Estella Fletcher sabia o
               que estava fazendo, e o disco é um dos melhores que eu conheço. Minha ideia

               era comprá-lo, se achasse alguma loja aberta, e depois levá-lo para o parque. Era
               domingo, e quase todo domingo a Phoebe vai patinar lá. Conheço bem o roteiro
               dela.










                      Não estava tão frio quanto na véspera, mas o sol não havia aparecido e o
               dia não era dos mais agradáveis para se andar a pé. Mas vi uma coisa boa. Bem
               na minha frente caminhava uma família que, pelo jeito, estava vindo da igreja. O
               pai, a mãe e um garotinho de uns seis anos. Pareciam meio pobres. O pai estava

               usando um desses chapéus de feltro cinzento que o pessoal pobre usa quando
               quer ficar elegante. Ele e a mulher caminhavam despreocupados, conversando,
               sem ligar para o garoto. O guri era o máximo. Tinha descido da calçada e vinha
               andando pela rua, juntinho ao meio-fio. Fazia de conta que estava andando bem
               em cima de uma linha reta, como todos os meninos fazem, e cantarolava o tempo
               todo.  Cheguei  perto  para  ver  se  escutava  o  quê  que  ele  estava  cantando.  Era
               aquela música "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio". A

               vozinha dele até que era afinada. Estava cantando só por cantar, via-se logo. Os
               carros passavam por ele zunindo, os freios rangiam em volta, os pais não davam
               a  mínima  bola  para  ele,  e  o  menino  continuava  a  andar  colado  ao  meio-fio,
               cantando - "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio". Isso me
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