Page 235 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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Ainda não tinha comprado a droga das entradas, por isso fui ver no jornal
               as peças em cartaz. Como era domingo e tudo, só três teatros estavam abertos. O
               que fiz foi comprar duas poltronas, na plateia, para "Conheço meu amor". Era
               um espetáculo de caridade ou coisa que o valha. Eu não tinha o menor interesse

               em ver a tal peça, mas conhecia bem a Sally, a rainha da cretinice, e tinha certeza
               de que ela ia se babar toda assim que soubesse onde é que nós íamos, porque os
               artistas  eram  os  Lunts  e  tudo.  Sally  só  gostava  das  peças  consideradas  muito
               sofisticadas e metidas a besta, com os Lunts e tudo. Eu, não. Para ser franco, não
               gosto muito de teatro. Não é tão ruim quanto o cinema, mas não é coisa que me

               faça  vibrar.  Pra  começo  de  conversa,  detesto  os  atores.  Nunca  se  comportam
               como gente normal. Só pensam que se comportam. Alguns dos bons conseguem,
               mas ligeiramente, e de uma forma que não dá prazer de ver. E, se um ator é bom
               mesmo, a gente percebe logo que ele sabe que é bom, e isso estraga tudo. Sir
               Lawrence Olivier é um exemplo. Eu o vi trabalhar em "Hamlet". O D. B. me
               levou com a Phoebe, no ano passado. Primeiro nos levou para almoçar e depois
               fomos ver o filme. O D. B. já tinha visto uma vez e, pelo jeito que ele falou na

               hora  do  almoço,  fiquei  realmente  ansioso  para  ver  também.  Mas  não  gostei
               muito. Não consigo descobrir o quê que é tão fabuloso em Sir Lawrence Olivier,
               só isso. Tem uma voz infernal e é um sujeito simpático pra diabo, e muito bom
               da gente olhar quando está andando ou duelando ou coisa parecida, mas não era
               nada  parecido  com  a  descrição  que  o  D.  B.  tinha  feito  do  Hamlet.  Ele  mais
               parecia uma porcaria dum general do que um camarada meio triste e confuso. A

               melhor parte do filme foi quando o irmão da tal Ofélia - aquele que trava um
               duelo com o Hamlet no final - estava de partida e o pai dele fica dando uma
               porção  de  conselhos.  Enquanto  o  pai  estava  dando  os  maiores  conselhos,  a
               Ofélia estava fazendo uma hora bárbara com o irmão, tirando o punhal da bainha
               e  implicando  com  ele,  enquanto  o  cara  faz  uma  força  danada  para  parecer
               interessado  nos  assuntos  do  velho.  Isso  foi  cem  por  cento  e  me  divertiu  pra
               burro. Mas não é o tipo da coisa que a gente vê muito por aí. A Phoebe só gostou

               de uma coisa, foi quando o Hamlet fez carinho na cabeça dum cachorrinho. Ela
               achou o troço engraçado e bonito, e era mesmo. Uma coisa que eu tenho que
               fazer  é  ler  essa  peça.  o  problema  comigo  é  que  sempre  tenho  de  ler  esses
               negócios sozinho, por conta própria. Se vejo um ator representando, mal consigo
               escutar direito. Fico preocupado, achando que ele vai fazer um troço cretino e
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