Page 269 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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Tinha muito tempo para matar até às dez horas, por isso acabei me
metendo no cinema, na Radio City. Foi provavelmente o pior programa que eu
podia ter arranjado, mas o troço era perto e não consegui pensar em coisa
melhor.
Quando entrei, estava no meio do espetáculo de palco. As Roquetes
estavam dando chutes para o alto, como fazem sempre que ficam em fila, com os
braços passados pela cintura umas das outras. A plateia aplaudia loucamente, e
um cara atrás de mim ficava repetindo o tempo todo para a mulher dele: "Isso é
que é precisão!" Eu me esbaldava por dentro. Depois das Roquetes veio um
camarada de patins, vestido a rigor, e começou a patinar por debaixo de uma
porção de mesinhas, enquanto contava piadas. Patinava bem e tudo, mas não
consegui gostar muito do troço porque fiquei imaginando o sujeito treinando
para ser patinador de palco. Parecia tão idiota. Acho que eu é que não estava
com o espírito para aquilo. Aí, depois dele, veio aquele negócio que eles fazem
todos os anos na Radio City, na época do Natal. Aqueles anjos todos começam a
sair das caixas e de todo canto, e vêm uns camaradas carregando crucifixos pelo
palco, e a curriola toda - são milhares - começa a cantar "Vinde Todos, ó Fiéis!"
como um bando de alucinados. Grande coisa. Dizem que é religioso pra diabo -
eu sei - e muito bonito e tudo, mas não consigo ver nada de religioso ou bonito,
pôxa, num bando de atores carregando crucifixos pelo palco afora. Quando
acabaram e começaram a sair de novo, via-se logo que eles estavam loucos para
fumar um cigarro ou coisa parecida. Eu tinha visto o troço no ano anterior com a
Sally Hayes, e ela ficou dizendo como era lindo, as roupas e tudo. Eu disse que o
velho Jesus com certeza ia vomitar se visse aquilo, aquelas fantasias e tudo mais.
A Sally disse que eu era um ateu sacrílego. Vai ver que sou. Mas Jesus teria
gostado mesmo era do sujeito que toca tambor na orquestra. Desde os oito anos
venho observando esse cara. Meu irmão Allie e eu, quando estávamos com os
nossos pais e tudo, saíamos das poltronas para vê-lo melhor, lá na frente. É o