Page 396 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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muito  bonito  e  ensolarado,  onde  ninguém  me  conhecesse  e  eu  arranjasse  um

               emprego. Calculei que podia achar trabalho num posto de gasolina em qualquer
               canto, pondo gasolina e óleo no carro dos outros. Mas não me importava que
               tipo de emprego ia ser, desde que ninguém me conhecesse e eu não conhecesse
               ninguém.  Aí,  bolei  o  que  é  que eu devia fazer: ia fingir que  era surdo-mudo.
               Desse modo, não precisava ter nenhuma conversa imbecil e inútil com ninguém.
               Se alguém quisesse me dizer alguma coisa, teria de escrever o troço num pedaço
               de  papel  e  me  entregar.  Depois  de  algum  tempo  iam  ficar  um  bocado

               aporrinhados de ter que fazer tudo isso, e aí eu nunca mais precisaria conversar
               pelo resto da minha vida. Todo mundo ia pensar que eu era só um infeliz dum
               filho da mãe surdo-mudo, e iam me deixar em paz sozinho. Me deixavam botar
               gasolina e óleo na droga dos carros deles, e me pagavam um salário para fazer
               isso. Com o dinheiro que fosse ganhando, construiria uma cabaninha para mim

               em algum lugar e viveria lá o resto da vida. Ia fazer a cabana bem pertinho de
               uma  floresta,  mas  não  dentro  da  mata,  porque  ia  fazer  questão  de  ter  a  casa
               ensolarada  pra  burro  o  tempo  todo.  Cozinharia  minha  própria  comida  e  mais
               tarde,  se  quisesse  casar  ou  coisa  parecida,  ia  encontrar  uma  garota  bonita,
               também surdo-muda, e nos casaríamos. Ela viria viver comigo na cabana e, se
               quisesse me dizer alguma coisa, teria de escrever numa porcaria dum pedaço de
               papel, como todo mundo. Se tivéssemos filhos, iam ficar escondidos em algum

               canto. Podíamos comprar uma porção de livros para eles e nós mesmos íamos
               ensiná-los a ler e escrever.










                      Fiquei excitado pra burro pensando no negócio todo. No duro. Sabia que
               aquela parte de bancar o surdo-mudo era amalucada, mas de qualquer maneira
               gostava de pensar nela. Mas resolvi de fato ir embora para o oeste e tudo. A
               única coisa que eu queria fazer antes da partida era me despedir da Phoebe. Por
               isso, de repente, atravessei a rua correndo como um doido - pra dizer a verdade,
               por um triz não morri atropelado - entrei numa papelaria e comprei um bloco e

               um lápis. Resolvi que ia escrever um bilhete para ela, marcando um encontro
               para que eu pudesse lhe dizer adeus e devolver o dinheiro das compras de Natal;
               aí  levaria  o  bilhete  para  a  escola  dela  e  daria  um  jeito  para  que  alguém  do
               gabinete do diretor lhe entregasse. Mas acabei guardando o bloco e o lápis no
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