Page 79 - 9F O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO
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alguém virgem, esse alguém era ele. Duvido mesmo que tivesse alguma vez
chegado a bolinar uma garota. Fosse como fosse, afinal tive que chegar para ele
e dizer que tinha de escrever uma redação para o Stradlater e que por isso ele
tinha de dar o fora porque senão eu não conseguia me concentrar. Acabou indo,
mas demorou um bocado, como sempre. Depois que saiu, vesti meu pijama e
meu roupão, pus o chapéu de caça na cabeça e comecei a escrever a redação.
O problema é que não consegui imaginar uma sala ou uma casa para
descrever, tal como o Stradlater tinha me dito que devia ser. De qualquer
maneira, não sou lá muito chegado a esse negócio de descrever salas ou casas.
Então resolvi escrever sobre a luva de beisebol do meu irmão Allie. Era um
assunto um bocado descritivo, no duro. Meu irmão Allie era canhoto, e por isso
tinha uma luva de beisebol para a mão esquerda. Mas o que havia de descritivo
nela é que tinha uma porção de poemas escritos em todos os dedos, na cova da
luva, por todo canto. Em tinta verde. Ele copiava os poemas na luva porque só
assim tinha alguma coisa para ler durante o jogo, quando não havia ninguém
arremessando. Ele agora está morto. Teve leucemia e morreu quando nós
estávamos em Maine, no dia 18 de julho de 1946. Qualquer um teria que gostar
dele. Era dois anos mais moço do que eu, mas umas cinquenta vezes mais
inteligente. Os professores dele estavam sempre escrevendo cartas para minha
mãe, dizendo que era um grande prazer ter um menino como o Allie na turma. E
não era simples conversa mole, era mesmo pra valer. O caso é que ele não era só
o mais inteligente da família. Era também o melhor de todos, em muitos
sentidos. Nunca ficava aborrecido com ninguém. Dizem que as pessoas de
cabelo vermelho estão sempre se irritando com a maior facilidade, mas o Allie
nunca brigava, e tinha o cabelo um bocado vermelho. Para mostrar como o
cabelo dele era vermelho, eu me lembro que uma vez, nas férias de verão,
quando eu tinha uns doze anos, estava jogando golfe (comecei a jogar golfe
quando tinha dez anos) e, assim sem mais nem menos, tive a impressão de que
se me virasse de repente veria o Allie. Olhei para trás e, batata, lá estava ele
sentado na bicicleta, do outro lado da cerca - havia uma cerca que corria em
volta de todo o campo - a mais de cem metros, me olhando dar a tacada. Isso
mostra como o cabelo dele era vermelho. Mas ele era mesmo um menino bom.